Cascia Morta

Por Carmen Bahar

“Morte in cadenza,
Culpisce una tomba cù calcagnu,
A morte à mezzanotte suona una melodia di ballü, nantu à vostru viulinu.
U ventu d’invernu sòffia è a notte s’oscurisce;
Si sentenu attutiti in tigli.
Attraversu u buio, scheletri bianchi passanu, Correndu è saltendu nantu à e sò sudarie. ognunu cerca,
L’osse di ballerini si rompenu —
Ma! dì colpu anu rinunziatu à giru,
Avanzanu, volanu; cantò ü gallo!”

A “Processione dei Morti”, a “Caccia Nocturna”, ou a “Caccia Selvaggia” eram uma forma típica de religiosidade na região da Europa Central. Tem origem num mito escandinavo. A estrutura narrativa de todas as versões do mito se baseia nesta premissa: uma procissão noturna, nas noites do Período Sagrado (ou seja, aquele que inclui os doze dias após o Solstício de Inverno) de seres sobrenaturais atravessa o céu (ou a terra) enquanto tenta uma caça furiosa, com cavalos negros, cães e lobos.

“È nell’oscurità dì e frëdde notti invernali, durante e forti rafate, chì sintimu ü rimore dì Cornu sunatu da ü Vecchio è Terribile Signore dì Morte. Hè una chiama per tutte l’Anime dì Morti per cavalcà à fiancu à voi versu l’Altromondo. Ellu, chì hè ü Diu dì a Morte è dì l’Infernu, dirige avà a Cascia Morta.”

Na Itália, especialmente na região dos Alpes, a Caccia Selvaggia está associada a luzes distantes, cascos de cavalos, latidos de cães, uivos demoníacos, e um assobio forte do vento. O protagonista da caça nesta área é chamado Beatrik, e está associado à figura de Teodorico, o Grande. A lenda ao longo do tempo foi enquadrada em uma estrutura cristã que mudou suas conotações especialmente no resultado final, utilizando-a para fins de advertência, nesta variante, a intervenção de um religioso consegue remover a procissão infernal.

O tema da procissão dos mortos pode ser encontrado na história de um episódio que aconteceu em 1091 com um monge que era sem saber um benandanti, já que “quem vê os mortos, vai com eles”.

O monge, enquanto caminhava pelo campo, ouviu gemidos e viu que eles vinham de uma procissão, uma espécie de dança macabra ou dança da morte, onde ele reconheceu pessoas recentemente mortas lideradas por um personagem de aparência selvagem armado com uma trombeta em forma de chifre. O anfitrião dos mortos é às vezes descrito com mais precisão como o anfitrião daqueles que perderam suas vidas prematuramente (tais como crianças não batizadas ou soldados que caíram em batalha).

Testemunhar a Caccia Selvaggia é considerado um presságio de catástrofe e desastre; os mortais no caminho da procissão estão geralmente destinados a serem mortos.

Na Lombardia é chamada Caccia Morta (ou Cascia Morta no dialeto Lombardo) ou Caccia del Diavolo, e está muitas vezes ligada à figura do Diabo e da Strega; ou seja, um Sabá. Um Sabá que se realiza no outro mundo, realizado perpetuamente em homenagem aos Grandes Espíritos. Um Sabá eterno dedicado a Lucifer.

A strega è ipnotizzata è vola con spiritu.
Vola per tutti i mezi.
Avà impiega un vasettu in quale chiama un angelo neru è biancu, un angelo santu.
Avà adopra un tammuru è suona, lascendu chì purgatoriu si apre à so sonu!
Avà si rilassa in lettu è cù a so anima vola versu altri mondi, altri lochi.

A Strega è chiamato da Regina, da Paradisu
di l’Apennina Sibilla, da l’Isula Nascosta, da Mondu trà l’Infernu è Paradisu.
Il Regnu di e Fate.
Ma ancu Purgatoriu.
Il nostru hè un Regnu per tutti.
Un regnu per quelli chì ùn sò nè troppu boni nè troppu malvaggio. Un regnu per a persona media.
Nè per santu nè per criminale.”

“Cain, em seu aspecto de Senhor da Morte, acompanhado de streghe, chama e lidera o caminho da procissão, à frente da dança macabra.
É o portador da luz em direção ao poente, o tempo que não para e é guiado pela morte.
Um Purgatório itinerante.
São as almas sendo arrastadas para a correnteza do outro mundo durante o período do inverno.”

— Carmen Bahar

Na Idade Média, encontramos um testemunho excepcional para a Itália no Inferno de Dante, que nos mostra como o mito era uma herança européia comum. A Caccia Selvaggia também aparece no Decameron de Boccaccio.

® © Copyright Carmen Bahar – 18/DEZ./2014–14:00h.


Epifania — Os Doze Dias Sagrados

“Adorazione dei Magi” de Paolo Veronese (1573–1575) Chiesa di Santa Corona, Vicenza

Por Stephanie Falcone

A Epifania, que representa um período de manifestação divina ou algo miraculoso, é o período compreendido após a ocorrência do Solstício de Inverno (que foi, por convenção, estabelecido no dia 25 de dezembro, seguindo a orientação no Hemisfério Norte) e o dia 06 de janeiro, perfazendo um total de doze dias (do dia 26/dez à 06/jan).
O dia 06 de janeiro é conhecido como “Dia de Reis” (quando os três Reis Magos encontraram Jesus, o Cristo, e o reconheceram como a “Criança Divina”) e também como “Dia de Befana” (a folclórica Vecchia italiana que presenteia as crianças com guloseimas ou com carvão).

Em “História Noturna — Decifrando o Sabá”, Carlo Ginzburg comenta sobre a Epifania:

“Ainda no começo do século XV, os camponeses do Palatinado acreditavam que uma divindade com o nome de Hera, portadora da abundância, vagasse voando durante os doze dias entre o Natal e a Epifania, período consagrado ao retorno dos mortos. (…) no calendário céltico as noites compreendidas entre 24 de dezembro e 6 de janeiro tinham uma função intercalar comparável à dos Zwölften, os doze dias durante os quais, no mundo germânico, pensava-se que os mortos andassem pela terra.”

James Frazer comenta em “O Ramo de Ouro”:

“Na Europa cristã, o velho costume pagão de afastar os poderes do mal em certos períodos do ano sobreviveu até a época moderna. Feiticeiros e magos eram considerados como particularmente malignos nos doze dias que iam do Natal à Noite de Reis, na véspera do Dia de São Jorge, na véspera do 1.° de Maio (Noite de Walpurgis – * Beltane) e na véspera do Solstício de Verão.”

Assim, durante a Epifania ocorrem a Caçada Selvagem (ou Caçada Noturna) e as várias procissões para expulsar os “maus espíritos” e o Inverno” (a morte) e para atrair a Primavera e a fertilidade (o renascimento) — como é o caso das tradicionais procissões na Áustria, na Eslovênia, na Inglaterra, etc. (notem: hemisfério norte) onde as pessoas usam fantasias e máscaras horrendas e fazem muito barulho com seus inusitados instrumentos).

Frazer continua:

“(…) para o espírito popular, os doze dias que vão do Natal até a Epifania são considerados como uma miniatura de todo o ano, respondendo o caráter de cada dia pelo caráter de um determinado mês. Essa concepção parece ser pré-Cristã, pois vamos encontrá-la também entre os árias da época védica, na Índia. Também eles parecem ter dado a doze dias no meio do inverno um caráter sagrado, como uma época em que os três Ribhus, ou gênios das estações, descansavam de seus trabalhos na casa do deus sol; chamavam esses doze dias de “imagem ou cópia do ano”.

Se os Doze Dias são uma cópia minimalista de um ano todo, dos doze meses, podemos dizer também que os doze dias da Epifania estão relacionados aos doze signos do Zodíaco. Se a Epifania é um período marcado por uma manifestação divina, a passagem pelo zodíaco também pode ser descrita como uma jornada Iniciática — a jornada do Discípulo.

Vejam:

O Nascimento da Criança Divina ocorre na noite de 24 de dezembro para a madrugada de 25 de dezembro e, como bem sabemos, o dia 25 de dezembro é uma data marcada pelo nascimento de muitas Divindades, Avatares, filhos nascidos de Virgens, Filhos de Deus, Redentores e Salvadores. Essa ilustre data também é marcada pelo Solstício de Inverno, a noite mais longa e escura do ano que, logo em seguida, dará lugar para um novo período de crescimento da luz.
Observando atentamente os doze dias associados às Hierarquias do Zodíaco, os discípulos poderão absorver e aproveitar as energias e influências de cada Signo (as forças zodiacais). Também associados aos doze Apóstolos (e aos seus místicos significados) e aos doze centros do nosso templo sagrado, o corpo humano.

E assim, começa a Epifania — os Doze Dias Sagrados:

  • Dia 25 de dezembro (o Solstício de Inverno) as poderosas radiações solsticiais com o Nascimento da Criança Divina.
  • Dia 26 de dezembro (1°dia) está associado ao signo de Áries – é o começo do novo Ano Solar. Áries é o Signo da Consciência renascida (a Vida) e está associado ao Apóstolo Tiago.
    No corpo humano, Áries rege a cabeça.
  • Dia 27 de dezembro (2°dia) está associado ao Signo de Touro (a matéria, a forma) e ao Apóstolo André. Touro rege a garganta.
  • Dia 28 de dezembro (3°dia) está associado ao Signo de Gêmeos (a mente) e ao Apóstolo Tomás. Esse Signo rege as mãos.
  • Dia 29 de Dezembro (4°dia) está associado ao Signo de Câncer e com o Apóstolo Natanael. Câncer rege o Plexo Solar — o “sol” do estômago.
  • Dia 30 de dezembro (5°dia) está associado ao Signo de Leão e ao Apóstolo Judas (que representa a personalidade que precisa se “desfazer” para deixar o espírito brilhar). Leão rege o coração.
  • Dia 31 de Dezembro (6°dia) está associado ao Signo de Virgem e ao Apóstolo Tiago, o Justo. Virgem rege o ventre.
  • Dia 01 de Janeiro (7°dia) está associado ao Signo de Libra e ao Apóstolo Tadeu.
    Libra rege as glândulas supra-renais (os rins).
  • Dia 02 de janeiro (8°dia) está associado ao Signo de Escorpião, aquele que opera a transmutação da matéria em espírito. Corresponde ao Apóstolo João, o mais amado de todos, e rege os órgãos sexuais.
  • Dia 03 de janeiro (9°dia) está associado ao Signo de Sagitário e ao Apóstolo Felipe. Esse Signo rege os músculos e o Plexo Sacro (o Centro básico; a base da coluna).
  • Dia 04 de janeiro (10°dia) está associado ao Signo de Capricórnio e ao Apóstolo Simão. Esse Signo rege os joelhos, que são importantes vórtices de luz e energia.
  • Dia 05 de janeiro (11°dia) está associado ao Signo de Aquário (o Grande Aguadeiro) e ao Apóstolo Mateus, o publicano. Aquário rege os tornozelos (as colunas do templo, que é o corpo humano).
  • Dia 06 de janeiro (12°dia – o último dia) está associado ao Signo de Peixes que marca o final, o término de um ciclo; é o fim de uma vida anterior para dar lugar a uma nova vida. Associado ao Apóstolo Pedro e rege os pés.

A Epifania tem início e fim com dois importantes acontecimentos astronômicos: tem início com o Solstício de Inverno (H. Norte) e suas consequentes irradiações; e finaliza com a elevação máxima de Vênus na esfera celeste. A conhecida Estrela de Belém, que serviu de orientação para os Reis Magos, pode ter sido uma espetacular conjunção entre os Planetas Vênus, Júpiter e Saturno. Vênus também conhecida por Estrela D’alva (que brilha ao amanhecer), ou Vésper (que brilha ao anoitecer) e, até mesmo, de Estrela do pastor.

H. Spencer Lewis comenta sobre isso:

“E quando a Estrela atingiu seu ponto culminante no céu e começou então a esboçar a descida rumo ao horizonte, os Magos souberam que o dia e a hora haviam chegado.”


Que coisas podem ser chamadas de sagradas, consagradas e como assim se tornam entre nós deidades; e dos momentos sagrados

A Cor da Romã (1969), dir. Sergei Parajanov.

São chamadas sagradas aquelas coisas santificadas pelos próprios deuses ou seus demônios, sendo — como se pode dizer — dedicadas a nós pelos próprios deuses. Nesse sentido, chamamos os demônios de sagrados, pois neles vive Deus, cujo nome, diz-se, eles ouvem. Quando se lê no Êxodo: “Eis que envio um anjo adiante de ti. Guarda-te diante dele, e ouve a sua voz; pois nele está o meu nome”. Também os mistérios são chamados sagrados. Pois um mistério é aquilo que possui uma virtude santa e oculta, e é favorecido pelos deuses ou demônios ou dispensado pelo próprio Deus; e os sagrados nomes e caracteres são aqueles de que já falamos. A cruz, por exemplo, é chamada de santa e misteriosa, tendo adquirido essa condição por meio da paixão de Jesus Cristo. Também assim, algumas orações são chamadas de sagradas e místicas, sendo instituídas pela devoção do homem, mas por revelação divina, como lemos no Evangelho, quando Cristo instituiu a Oração do Senhor, o Pai-nosso.

Do mesmo modo, algumas confecções são chamadas de sagradas, nas quais Deus colocou a emanação especial de sua virtude, como lemos no Êxodo, sobre o doce perfume e óleo para unção, e que em nós há uma fonte sagrada e um unguento sagrado.

Há ainda outra espécie de santidade, que consiste em chamarmos de sagradas aquelas coisas que são dedicadas e consagradas pelo homem aos Deuses, tais como votos e sacrifícios, de que já falamos. Lemos em Virgílio:

Mas César, com um triplo triunfo

À cidade de Roma, como grande devoto,

Dedicou aos deuses da Itália

Um voto imortal.”

E Ovídio em suas Metamorfoses canta assim:

“Chegou o dia em que o guerreiro que vencera Cigno, Aquiles,

Ofereceu o sangue de uma novilha em sacrifício, para Palas.

As vísceras queimaram no altar e o odor

Amado pelos deuses subiu aos céus.

O que sobrou entre os deuses foi consumido,

Enquanto do resto os chefes se serviram.”

De modo igual, as representações, lembranças, ídolos, estátuas, imagens, retratos feitos à semelhança dos deuses, ou dedicados a eles, são chamados de sagrados, como canta Orfeu em seu hino a Vênus de Lícia:

“Os chefes protegidos pelas coisas sagradas

De nossa nação, ergueram para a nossa cidade

Uma estátua sagrada.”

E Virgílio:

“Ó pai, cuida dos deuses domésticos, e

Segura-os em tuas santas mãos.”

A Cor da Romã (1969), dir. Sergei Parajanov.

E o divino Platão, em seu 11° livro das Leis, propõe que as imagens sagradas e estatuas dos deuses sejam homenageadas, não por si, mas porque representam para nós os deuses, como os antigos veneravam a imagem de Júpiter, assim interpretando-a: pois nela, ele se assemelha a um homem, o que significa que ele tem uma mente que produz todas as coisas por seu poder seminal; ele finge sentar-se para que seu poder imutável e constante seja expressado; tem as partes superiores despidas, pois se manifesta às inteligências e aos superiores; mas as partes inferiores estão cobertas, porque ele se esconde das criaturas inferiores; segura o cetro na mão esquerda, porque nessas partes do corpo se encontra a mais espiritual morada da vida, pois o criador do intelecto é o rei e o espírito vivificante do mundo; mas em sua mão direita ele porta tanto uma águia quanto a vitória, uma porque ele é o senhor de todos os deuses, como a águia de todos os pássaros; a outra porque todas as coisas se sujeitam a ele.

De maneira semelhante, reverenciamos também a imagem de um cordeiro, porque representa Cristo, e a imagem de uma pomba, porque significa o Espírito Santo, e as formas de um leão, boi, águia e um homem, significando os Evangelistas, e coisas semelhantes, que encontramos expressas nas revelações dos profetas e em vários lugares da Sagrada Escritura, além do que, tais coisas conferem ao que é semelhante revelações e sonhos, sendo chamadas, portanto, de imagens sagradas.

Há também ritos sagrados e observações sagradas, feitos para a reverência dos deuses e para a religião, ou seja, gestos de devoção, genuflexão, descobrimento da cabeça, banhos, esborrifos com água benta, perfumes, expiações exteriores, humildes procissões, ornamentos exteriores para louvores divinos, harmonia musical, queima de velas de cera e luzes, repicar de sinos, adorno de templos, altares e imagens, em tudo o qual se requer suprema e especial reverência e atratividade. E para tais práticas são usadas as mais belas e preciosas coisas, como ouro, prata, pedras preciosas e coisas assim: reverências essas e ritos que são como lições e convites a coisas sagradas espirituais, para a obtenção de abundância dos no deuses, como verificamos no testemunho de Prosérpina, nestes versos:

“Quem as estátuas de bronze desprezam,

Os presentes amarelos de ouro, ou o branco da prata?

Quem não se espantaria, e não diria que estes

Vêm dos deuses?”

Os sacerdotes também são chamados santos, e os ministros dos poderes divinos, e deuses, eles mesmos, sendo consagrados, administram todas as coisas sagradas e também as consagram, como vemos em Lucano:

“Os sacerdotes consagrados, a quem grande poder

É concedido.

E Virgílio diz, acerca de Helenus, o sacerdote de Apolo:

“Ele reza pela paz dos deuses, e solta

As guirlandas de sua sagrada cabeça.”

Esses rituais sagrados são como certos acordos entre os deuses e nós, exibidos com louvor, reverência ou obediência, por cujos meios nós recebemos, com frequência, algumas virtudes maravilhosas de tal poder divino, a quem essa reverência é conferida; pois existem hinos sagrados, sermões, exorcismos, encantações e palavras, que são compostos e dedicados ao louvor e aos serviços divinos dos deuses, como diz Orfeu em um verso composto para os astros:

“Com palavras santas, eu agora chamo os deuses.”

E a Igreja primitiva usava certas encantações sagradas contra doenças e tempestades, as quais, ou pronunciamos rezando para alguns poderes divinos, ou também às vezes levamos conosco, escritas e penduradas no pescoço ou amarradas a nós, o que nos permite obter algum poder de determinado santo muito admirado pelos homens.

Por esse meio também há nomes santos, figuras, caracteres e selos, os quais os homens contemplativos, em pureza de mente, por seus votos secretos, devotam, dedicam e consagram ao culto a Deus; coisas estas que, de fato, se qualquer homem posteriormente pronunciar com a mesma pureza da mente com a qual elas foram instituídas, realizará o mesmo tipo de milagres; além do que, os modos e as regras passadas pelo primeiro instituidor devem ser observados, pois aqueles que ignoram tais coisas perdem tempo e seu trabalho é em vão.

Assim, não só com palavras bárbaras, mas também hebraicas, egípcias, gregas, latinas e os nomes de outras línguas, sendo devotados a Deus e atribuídos e dedicados à sua essência, poder e operação, nós às vezes realizamos maravilhas; tais nomes se encontram em Iamblichus, Osíris, Jcton, Emeph, Ptha, Epies, Amun; e também em Platão e entre os gregos, ών τόν τχυυτό, pois chamam Júpiter de ζΉόνά χπό το ζΗόν que significa viver, pois ele dá vida a todas as coisas; do mesmo modo Δíχ que significa através, ou por, pois por ele todas as coisas foram feitas; e χθχνατόν que significa imortal; e entre os latinos ele é chamado de Júpiter, como um pai adjuvante, e outros assim, e também certos nomes devotados aos homens, como Eutychis, Sofia, Teófilo, ou seja, próspero, servo, caro a Deus.

A Cor da Romã (1969), dir. Sergei Parajanov.

De modo semelhante, certas coisas materiais recebem não pouca santidade e virtude por meio da consagração, principalmente se feita por um sacerdote, como vemos aqueles selos de cera nos quais vem impressa a figura de cordeiros, receberem virtude pela bênção do sumo sacerdote romano, contra relâmpagos e tempestades, para que não possam ferir aqueles que os levam consigo, pois uma virtude divina é inspirada em imagens assim consagradas, e está nelas contida, como uma certa letra sagrada que tem a imagem de Deus.

Virtude semelhante recebem aquelas luzes de cera sagradas na Páscoa e na festa da Purificação da Virgem; também sinos, por consagração e bendição, recebem virtude para afastar e restringir relâmpagos e tempestades, para que estes não molestem naqueles lugares no qual os sons são ouvidos; assim como o sal e a água, por meio de bênçãos e exorcismos recebem o poder de afastar espíritos maus.

E assim, nas coisas dessa espécie, também há momentos sagrados sempre observados pelas nações de toda religião com grande reverência, as quais devemos santificar pelos próprios deuses, ou são dedicadas a eles por nossos antepassados e anciãos, para a comemoração de alguns benefícios recebidos dos deuses e para graça perpétua. Assim, os hebreus recebiam seu sabá, e os pagãos seus dias santos, e nós os solenes dias de nossos ritos sagrados, sempre reverenciados com a mais alta solenidade.

Há também momentos contrários, que eles chamam de penitenciais e nós de dias negros, porque naqueles dias as comunidades sofriam golpes notáveis e calamidades, dos quais entre os romanos era o dia antes dos quatro nonos de agosto, pois nesse dia haviam sofrido aquele extraordinário golpe na batalha de Cana. Também todos os dias postrídios são chamados de dias negros porque as batalhas mais comuns tinham mau resultado nessas ocasiões. Entre os judeus, por exemplo, os dias negros são o 17 de junho, pois nesse dia Moisés quebrou as tábuas, Manassés ergueu um ídolo no Sanctum Sanctorum, e as muralhas de Jerusalém foram derrubadas por seus inimigos; também o nono dia de julho é negro para eles, porque nesse dia ocorreu a destruição de ambos os templos. Por esse motivo, são chamados de dias egípcios, no passado seguido pelos egípcios; e toda nação pode assim facilmente fazer um cálculo dos dias felizes ou infelizes para elas.

E os magos propõem que esses dias santos e religiosos sejam observados não menos que os dias planetários e as disposições celestiais; pois afirmam que são muito mais eficazes, especialmente para obter virtudes espirituais e divinas, porque tais virtudes não vêm dos elementos e corpos celestiais, mas descendem do mundo inteligível e super celestial, sendo ajudadas pelos sufrágios comuns dos santos, e não se deixam infringir por nenhuma disposição adversa dos corpos celestes nem são frustradas pelo contágio corruptível dos elementos, desde que não falte a firme crença nem a adoração religiosa, isto é, acompanhada de medo e tremor, pois isso cabe à religião; assim, esses dias são chamados de religiosos e sua violação é um pecado. Se os observarmos com cuidado, não precisamos temer mal algum, o que, do contrário, nos sucederá.

Fonte: “Três Livros de Filosofia Oculta”, de H. C. Agrippa.