A Marca de Cain — Um Estudo Sobre o Exílio

“Cain was a tiller of the ground”, de Abel Pann.

Todos os exilados vivem o mito de Cain. Viver o mito de Cain é uma grande forma de se manter agradecido pelas próprias conquistas. Em outras palavras, é um amadurecimento infindável.

Se Deus respeita ou não essa epopeia de Cain, foi Ele quem deu causa, ou não haveria nada para agradecer, portanto Deus é culpado. Todos os demais, veneram e respeitam aqueles que vivem o mito de Cain, pois é uma grande honra. Digo isso porque algumas pessoas interpretam o exílio como um castigo ou punição a ser aplicados, estão enganados.

Quaisquer que sejam as interpretações históricas da bíblia sobre o assunto, em Gênesis 4, 1-24, todas estão sob um paradigma conveniente para ilusão, com alguma ressalva, senão vejamos:

O drama descrito no capítulo supracitado, não exclui a existência dos acontecimentos, porém significa dar-lhe uma dimensão que ultrapassa sua contingência e, mesmo que os acontecimentos não tenham acontecido exatamente como a bíblia menciona, não podemos deixar de notar os signos apresentados e a grande lição que a história exerce sob os filhos de Cain, haja vista que em Le jour de Caïn (Paris, 1967), Luc Estang viu na narrativa algo a mais além das entrelinhas e nos faz pensar.

De acordo com o próprio Gênesis, Cain foi o primeiro homem nascido do homem e da mulher, e foi o primeiro lavrador, o primeiro agricultor, e primeiro sacrificador, cuja oferenda não foi aceita por Deus, foi o primeiro assassino, o primeiro revelador da morte pois jamais teria sido visto antes do seu fratricídio, o rosto de um homem morto, e por tanto, foi o primeiro feiticeiro e construtor. Como homem do campo, Cain foi um verdadeiro pagão no sentido literal.

Após a recusa de sua oferenda, ele partiu a procura de uma terra fértil para desbravar os mistérios da fertilidade e das plantações, assim, ele também foi o primeiro errante, o primeiro cigano, e se tornou o primeiro construtor de cidade. Sua importância é total em algumas vertentes de bruxaria tradicional, contudo, as lições apresentadas na história bíblica de Cain haviam sido registradas no mundo pagão, como no caso latino de Remo e Rômulo, bem como Karna e Arjuna no episódio Hindu, e entre Thórólfr ou Ásgerr e Egil nórdicos, e ainda, no antigo testamento, dizem alguns pesquisadores, alegam a ver alguma analogia com Esaú e Jacó. Essas histórias sobre fratricídios são temas de grande discussão no direito penal estudados na faculdade, e são de conhecimento de qualquer advogado.

Assim, as diferenças entre os pastores e lavradores continuam até hoje sob o disfarce cristão X pagão, portanto esse tema de disparidades de vontades e crenças sempre foi regido por códigos religiosos que ditavam a “ética divina” e é bem antigo.

O prélio entre pastores e lavradores também foi tema de aprendizados esotéricos. Se voltarmos no tempo a história mítica revela disputas e fatos entre irmãos e fratricídios muito comuns, como no mito histórico entre os egípcios Seth e Osíris, ou antes disso entre Tamuz e Enkidu sumerianos, os quais os hebreus herdaram os ensinamentos e alguns costumes culturais e religiosos, razão pela qual pode ter surgido o mito de Cain e Abel, totalmente baseado nos mitos Sumerianos.

Ainda temos de considerar que, a bíblia pode ter omitido, mas o primeiro livro de Adão e Eva nos revela que Abel, depois da sua morte reencarnou como o terceiro filho do casal cujo nome era Sete (também grafado como Seth e/ou Sett).

Mas Cain foi marcado por Deus durante o desentendimento que gerou o seu exílio. Deus colocou uma marca em Cain, a fim de que ele não fosse morto por quem o encontrasse.

Nesse contexto, Cain foi também o primeiro homem a se retirar da presença de Jeová e partir, numa infinita caminhada em direção ao Sol levante.

A aventura é de uma grandeza inigualável, sendo a aventura do homem entregue a si mesmo, aquele que não espera as coisas caírem do céu. Isso simboliza que Cain faz suas escolhas, tornando-se deus de si mesmo, assumindo todos os riscos da existência e todas as consequências de seus atos. Cain é o símbolo da responsabilidade humana e é o símbolo nato dos feiticeiros de memória judaico-cristã.

Da mesma maneira que o significado do nome Abel é Vaidade (Barro), o nome Cain significa Posse (dono de si, ter posse sobre si mesmo, escolha-livre arbítrio, aquele que não aceita dogmas).

No simbolismo animal Abel é a ovelha e Cain é o bode, mais uma vez o masculino e feminino interagem. Sua mãe o chamou de Cain porque ele foi a sua primeira aquisição. Alguns mitos dizem que Samael copulou com Eva e nasceu Cain. Samael teria incorporado ou se passado por Adão a fim de possui-la. Outros mitos dizem o contrário, sendo Eva possuída por Lilith e esta teria copulado com Adão, ficando por cima dele e mostrando a supremacia da mulher sobre o homem. De qualquer forma O Espírito pode muito bem possuir tanto homens quanto mulheres e, seria uma arrogância alegar que Lilith só “entra” nas mulheres ou que só as mulheres são vaso Dela. Eva foi criada da costela de Adão e de qualquer forma ambos dependem um do outro e não há razão para discutirmos quem é superior e quem não, pois em igual modo Ambos tiveram sua criação pelas mãos Divinas, não importando qual material foi usado por Deus na criação, pois o importante aqui é a linhagem espiritual de Cain, a linhagem que se fez sangue, que se fez carne e que transcendeu a própria carne.

Uma breve explicação vem informar que Lilith é o verdadeiro Espírito Santo, e essa informação foi omitida pela igreja por muitos séculos. Isso equivale dizer que Cain é descendente legítimo do Espírito Santo, enquanto Abel foi feito somente da carne do homem e da mulher e por isso ele é o Barro, já que não possui espírito. [o pronome possessivo não é puramente ilustrativo].

Deus criou Adão do barro, ele era uma espécie de zumbi até conhecer a maçã. Só depois de comer a maçã é que ele teve seu corpo habitado por um espírito, já que a partir desse ponto é que ele pode morrer, antes disso ele era uma espécie de lama. Percebe-se aqui o tema esotérico revelado.

Adão teria dado a mordida na maçã que Eva lhe ofereceu e em seguida ele fez amor com ela. Parece que Eva não comeu a maçã, pelo menos não antes de Cain nascer e esse é um tema confuso. Eva foi comer a maçã depois que Abel morreu e foi assim que seu terceiro filho se tornou Sete. Assim sendo, Sete é a reencarnação de Abel, é o livramento do barro para a chegada do homem de espírito.

“Tu me tiveste segundo o desejo e com a assistência divina”, diz Cain à sua mãe.” […]

…Muito cedo compreendi que ele em nada me ajudaria, e que eu não poderia contar senão com minha própria vontade. A maçã é a vontade. A maçã que a serpente seduziu Eva para dá-la de comer à Adão. O tema da maçã já era conhecido em Avalon pelos pagãos. Uma curiosidade conhecida por todo pagão é que o verdadeiro nome da Maçã é Malus Sieversii, havendo diversas variedades de Malus. O mundo latino mudou de Malus para Mala porque a palavra Malus era da mesma ordem etimológica para se referir ao mau e a maçã em tempo igual. Tanto o fato se confundiu em alguns textos antigos, pelo qual a maçã e a romã foram igualmente confundidas pelos autores.

Outra curiosidade esotérica é que todos os médiuns (que sofre possessão por transe) são considerados filhos de Cain, porque Cain significa posse-possessão), sendo assim todos os médiuns são feiticeiros e bruxos, independente de tradição transmitida via horizontal (de pessoa para pessoa). Alguns autores afirmam que a marca que Deus colocou em Cain é o próprio dom mediúnico.

Independente do tema de Cain ter cunho judaico, a mítica é a mesma só que teve nascedouro mais antigo, o assunto é sempre o mesmo desde a velha Suméria. Não foi à toa que o tema da descida da Deusa Inanna ao mundo subterrâneo sobreviveu até os dias de hoje, e vale lembrar que esse tema também foi promulgado e usado por Gerald Gardner durante a construção de sua religião que contém bruxaria. Como podem ver, os mitos Sumerianos estiveram bem vivos entre todas as épocas e foram usados para os mais diversos propósitos religiosos.

Se você parar para analisar, vai ver que o tema de agricultura e fertilidade está sempre presente, assim como o tema de nascimento, morte e renascimento (ou reencarnação) estão igualmente. Para toda religião, culto, seita ou tradição espiritual há um crédito maior de poder no mundo espiritual, ou seja, o tema do poder divino. É por isso que não cabe acreditar que tudo acaba quando morremos, uma vez que se acredita (dar-se crédito) que existe um Deus que mora num mundo espiritual de onde viemos e pra onde voltaremos. Aqui o tema se liga ao eterno ciclo morte-renascimento, sendo que, em algumas irmandades bruxas, ensina-se que em vida devemos aprender a sermos mais virtuosos e nos livrar dos vícios, do barro, a fim de subirmos as escadas pra lá de onde caímos, o céu, o paraíso, a montanha dos vitoriosos, o castelo da dama Fortuna, em fim, chame-o como quiser. O tema da queda de Lucifer (O anjo Portador da Luz) refere-se ao tema da reencarnação, onde nosso espírito teria caiu do Céu e reencarnou (tomou carne-forma física-matéria) aqui na Terra.

Mas Cain não pode morrer, diz os textos sagrados, isso equivale dizer que ele não pode sofrer a verdadeira morte, aquela que “acaba” com tudo pra sempre e por isso é condenado à voltar a vida (reencarnação). Sendo assim tomamos a morte como uma mera passagem de ida e volta, não menos importante na trama divina.

Cain é do espírito eterno e as longas viagens desse espírito é um subir e descer e subir novamente entre o céu e a terra.

Em Le Jour de Caïn, pág. 88, Cain diz a sua mãe:

“Sabeis que eu tive de conquistar por mim mesmo tudo o que vós me atribuís: o ardor e a rudeza, a força e a obstinação.”

O que Cain desejou foi acrescentar à terra de Deus, o fruto do trabalho do homem, a fim de ser verdadeiramente o senhor de seus atos, ele diz: “sonhei em reconciliar a terra com Deus”. Mas parece que até hoje Deus virou as costas e não está nem ai pra ele.

Cain seguiu desejando construir uma cidade que seria uma manifestação ainda melhor dos feitos humanos do que a terra cultivada. “Eu via a cidade como uma outra lavoura, como uma outra semeadura, como uma nova messe”. Dessa forma o trabalho dos bruxos não acaba nunca, sempre há uma nova semeadura, ciclo sem fim, ou pelo menos não até conciliar a terra com Deus, e Ele aceitar a reconciliação.

É como um despertar da terra fora de si mesma, Cain faz o trabalho do despertar de sua elevação vertical à imagem do homem, pelo homem, que assim estabelecia sua própria soberania. Suas muralhas teriam circunscrito o espaço onde ele nada esperava de Deus. Em verdade, Deus não tinha poder na cidade de Cain, ou pelo menos não exercia influência ali.

A cidade, prolegômeno, em princípio, de quase todo futuro ateísmo, digo quase pois se não houvesse o politeísmo, outros deuses, outras religiões, outras culturas, etc, seria total o ateísmo.

É interessante saber que o gnosticismo possui uma mítica sobre como Deus se tornou Deus. Saclas seria seu nome enquanto “O Demiurgo” e ele era filho de Sophia. Tendo nascido defeituoso, foi lançado para longe dos deuses do Primórdio, no espaço onde se viu sozinho, sem seu par perfeito, resolveu criar o que conhecemos como ordem natural da vida, mas nem todos os seres humanos possuem espíritos da etnia de Saclas. Alguns possuem etnia espiritual da família de Lilith, os quais remontam o tema dos Guardiões, os Nephilins, os quadrantes da terra e sua família de deuses mais antigos, como no caso de Cain e seus descendentes.

Dessa maneira o ciclo vida e morte foi dado aos humanos de todas as descendências espirituais, sendo forçados a conviverem juntos num único planeta, evoluindo ou não, progredindo ou não, foram forçados a subir e descer num ciclo sem fim até atingir um nível onde não seria mais preciso reencarnar, em outras palavras, o tema da queda perderia importância.

Talvez esse seja o único ponto onde não usamos o livre arbítrio, uma vez que, desde nossa criação, nos foi imposto esse ciclo, esse vai e vem. Ao fundir-se com um deus, você se torna um deus novo com seu par perfeito. O tema não é novo, cada estrela no universo é um Sol e cada Sol possui sua própria galáxia.

No mundo ordinário, não nos foi permitido transitar “ainda” entre uma galáxia e outra, porque a NASA ainda não descobriu um método para isso. Se um dia isso for possível, saberemos se há realmente vidas como as que conhecemos, em outros lugares do espaço, mas por ora, limitemos à nossa Terra-Mãe, à nossa Lua e ao nosso Pai Sol.

Voltando ao tema de Cain, Deus não aceitava de bom grado os sacrifícios do lavrador e desse sonhador de cidades. E Cain não podia aceitar ser o mal-amado de Deus. Estava pronto para qualquer renúncia, se ele, de início, aceitasse. Por pouco amável que fosse, era dessa maneira que importava à Cain em ser amado. Mas Deus não recompensava seu escarniçado trabalho.

O que Cain deplorava, não era o fato de Abel ter tantas vantagens, mas sim o fato de Cain não ter nenhuma!

Então Cain se revoltou por todos nós, por todos aqueles que não aceitam o mistério da predestinação. Esse papo de que nascemos predestinados, as crenças limitadoras e falsas que temos sobre nós mesmos, a predestinação que divide os homens em rejeitados e eleitos, todos aqueles que não compreendem o desprezo de Deus pelas grandezas terrenas e sua predileção pelos humildes.

De tal modo, Cain orgulhoso de si, afirmou seu próprio valor, seu esforço, sua autoestima e renunciou a Deus, e é a partir daqui que começa o seu exílio.

Cain partiu na condição de errante junto com os seus pares, como quem parte em busca de um futuro a ser indefinidamente construído. Diz Cain:

“Partiremos para o deserto dos homens, e que os homens, inumeravelmente, povoarão. Nós nos guiaremos pela aurora sempre renovada… E será por não nos determos em parte alguma que estaremos sempre em toda parte. Nossa vida errante nos permitirá medir a terra e, ao mesmo tempo, nós a edificaremos.”

Cain parte, em busca do devenir do homem fora da presença de Jeová. Entretanto, foi-lhe preciso matar o irmão (o aspecto do barro em si mesmo) e precipitar a hora da morte. A fim de liberar-se, chegou ao extremo do crime. A verdadeira morte vem a ser aquela em que se é obrigado a dormir sem jamais poder despertar. Ele impôs brutalmente, diante dos olhos da primeira das mães-do-barro: Temor antigo, castigo misterioso, ó morte! Eis-te pois revelada! Tens o rosto de todos nós, sob a máscara de Abel, e por tua causa nós não nos diferenciamos dos animais.

No sentir de Adão e Eva, a morte é o último fruto da árvore da sabedoria; diante dos despojos de Abel, Adão exclamou: “Aqui, neste instante, nós esgotamos o sabor ao fruto da sabedoria; mais do que nunca ele é amargo.” Entretanto, ele diz a Eva: “Fomos nós que transmitimos o gérmen da morte ao corpo de Abel.” Eva então replica no auge de sua revolta: “Ah! É como se ele tivesse aberto em mim uma brecha: meus filhos jamais terminarão de matar-se uns aos outros.” Todavia, Temec, procurando justificar seu marido Cain, diz: “Que triunfe a vida, ainda que o preço seja a morte.

É verdade que a morte inelutavelmente haveria de sobrevir, porquanto era o castigo do pecado original.

O erro de Cain, foi na realidade, ter-se adiantado aos desígnios de Jeová. Ele acrescentou novo mal ao mal cujo castigo é a morte. Cain foi o iniciador da morte e ele mesmo não poderia morrer.

Desde então, sobre a fronte de Cain, e de todo homem, todos poderão ler: Perigo de morte! Embora devam notar nessa advertência, o signo protetor que designa a criatura divina, não um estigma infamante, eis a marca dos bruxos.

O signo que me reprova me protege, diz Cain. Na verdade, o Deus concede-me a graça de que meu crime intimide os vingadores, porque o crime deles contra mim terá de ser expiado sete vezes!

Desde então o corpo passou ao pó e o espírito passou aos céus. O homem passou então a não afrontar nada mais de Deus a não ser a sua ausência. Resta-lhe, porém, sua própria presença de homem a afrontar, como relembrou Temec, a impiedosa esposa: “Tua própria presença, Cain! Doravante, na sucessão dos homens: Cain presente em cada um deles. No espelho de sua consciência, todo homem refletirá os traços de um Cain.

Como disse Adão: “Meu filho Cain é essa segunda parte de mim mesmo, que não acabava mais de se projetar. Vós, que o seguis, sabei-o: sois o enxame de minhas ilusões.”

Nesse sentido, encontramos forçosamente uma comparação na tradição grega, pensado para ter equivalência grega do desejo de Cain em Prometeu, que desejou conquistar para a humanidade um poder divino; liberá-la de uma dependência total, atribuindo-lhe o fogo, princípio de todas as mutações futuras, quer seja o fogo do espírito, quer seja o fogo da matéria. Tal como Prometeu, Cain é o símbolo do homem que reivindica sua parte na obra da criação.


Cascia Morta

Por Carmen Bahar

“Morte in cadenza,
Culpisce una tomba cù calcagnu,
A morte à mezzanotte suona una melodia di ballü, nantu à vostru viulinu.
U ventu d’invernu sòffia è a notte s’oscurisce;
Si sentenu attutiti in tigli.
Attraversu u buio, scheletri bianchi passanu, Correndu è saltendu nantu à e sò sudarie. ognunu cerca,
L’osse di ballerini si rompenu —
Ma! dì colpu anu rinunziatu à giru,
Avanzanu, volanu; cantò ü gallo!”

A “Processione dei Morti”, a “Caccia Nocturna”, ou a “Caccia Selvaggia” eram uma forma típica de religiosidade na região da Europa Central. Tem origem num mito escandinavo. A estrutura narrativa de todas as versões do mito se baseia nesta premissa: uma procissão noturna, nas noites do Período Sagrado (ou seja, aquele que inclui os doze dias após o Solstício de Inverno) de seres sobrenaturais atravessa o céu (ou a terra) enquanto tenta uma caça furiosa, com cavalos negros, cães e lobos.

“È nell’oscurità dì e frëdde notti invernali, durante e forti rafate, chì sintimu ü rimore dì Cornu sunatu da ü Vecchio è Terribile Signore dì Morte. Hè una chiama per tutte l’Anime dì Morti per cavalcà à fiancu à voi versu l’Altromondo. Ellu, chì hè ü Diu dì a Morte è dì l’Infernu, dirige avà a Cascia Morta.”

Na Itália, especialmente na região dos Alpes, a Caccia Selvaggia está associada a luzes distantes, cascos de cavalos, latidos de cães, uivos demoníacos, e um assobio forte do vento. O protagonista da caça nesta área é chamado Beatrik, e está associado à figura de Teodorico, o Grande. A lenda ao longo do tempo foi enquadrada em uma estrutura cristã que mudou suas conotações especialmente no resultado final, utilizando-a para fins de advertência, nesta variante, a intervenção de um religioso consegue remover a procissão infernal.

O tema da procissão dos mortos pode ser encontrado na história de um episódio que aconteceu em 1091 com um monge que era sem saber um benandanti, já que “quem vê os mortos, vai com eles”.

O monge, enquanto caminhava pelo campo, ouviu gemidos e viu que eles vinham de uma procissão, uma espécie de dança macabra ou dança da morte, onde ele reconheceu pessoas recentemente mortas lideradas por um personagem de aparência selvagem armado com uma trombeta em forma de chifre. O anfitrião dos mortos é às vezes descrito com mais precisão como o anfitrião daqueles que perderam suas vidas prematuramente (tais como crianças não batizadas ou soldados que caíram em batalha).

Testemunhar a Caccia Selvaggia é considerado um presságio de catástrofe e desastre; os mortais no caminho da procissão estão geralmente destinados a serem mortos.

Na Lombardia é chamada Caccia Morta (ou Cascia Morta no dialeto Lombardo) ou Caccia del Diavolo, e está muitas vezes ligada à figura do Diabo e da Strega; ou seja, um Sabá. Um Sabá que se realiza no outro mundo, realizado perpetuamente em homenagem aos Grandes Espíritos. Um Sabá eterno dedicado a Lucifer.

A strega è ipnotizzata è vola con spiritu.
Vola per tutti i mezi.
Avà impiega un vasettu in quale chiama un angelo neru è biancu, un angelo santu.
Avà adopra un tammuru è suona, lascendu chì purgatoriu si apre à so sonu!
Avà si rilassa in lettu è cù a so anima vola versu altri mondi, altri lochi.

A Strega è chiamato da Regina, da Paradisu
di l’Apennina Sibilla, da l’Isula Nascosta, da Mondu trà l’Infernu è Paradisu.
Il Regnu di e Fate.
Ma ancu Purgatoriu.
Il nostru hè un Regnu per tutti.
Un regnu per quelli chì ùn sò nè troppu boni nè troppu malvaggio. Un regnu per a persona media.
Nè per santu nè per criminale.”

“Cain, em seu aspecto de Senhor da Morte, acompanhado de streghe, chama e lidera o caminho da procissão, à frente da dança macabra.
É o portador da luz em direção ao poente, o tempo que não para e é guiado pela morte.
Um Purgatório itinerante.
São as almas sendo arrastadas para a correnteza do outro mundo durante o período do inverno.”

— Carmen Bahar

Na Idade Média, encontramos um testemunho excepcional para a Itália no Inferno de Dante, que nos mostra como o mito era uma herança européia comum. A Caccia Selvaggia também aparece no Decameron de Boccaccio.

® © Copyright Carmen Bahar – 18/DEZ./2014–14:00h.


Plantas e Ervas do Diabo

Durante a Idade Média, o mundo foi assolado e devastado por grandes epidemias (peste negra, lepra, sífilis, etc.) e a mulher (raramente o homem) se tornou uma profunda conhecedora das propriedades medicinais e terapêuticas das plantas. Inicialmente, elas eram utilizadas apenas como remédio para combater as infecções e as dores (principalmente para aliviar as dores do parto), mas, com o tempo, uma nova propriedade foi descoberta: seu poder inebriante que causava estado alterado de consciência.

Por isso, algumas Plantas e Ervas foram associadas à Bruxaria e, consequentemente, ficaram conhecidas por “Plantas ou Ervas do Diabo” (a Igreja tentou erradicá-las, mas, o que muitos não sabem, é que os maiores centros de estudo e de cultivo dessas Plantas, ficavam dentro dos Conventos e dos Mosteiros).

Um recurso muito utilizado pelas Bruxas, era chamado de “Cravagem do Centeio” ou “Esporão do Centeio” (Claviceps purpurea — a Ergotamina) — algumas horas antes dos Cultos Noturnos, as Bruxas consumiam a farinha de centeio espigado para obter estados de alteração de consciência. As Bruxas, que eram as parteiras locais, conheciam bem as suas propriedades e sabiam manipular o centeio espigado como ninguém (ele era utilizado como abortivo; para apressar as contrações no momento do parto e para conter hemorragias pós-parto).
Como um substituto do Centeio, podemos falar do “Sorgo” (que também pode ser contaminado pela Claviceps — a doença açucarada do Sorgo — e que também se torna um poderoso alucinógeno).
Sobre o Sorgo, Carlo Ginzburg comenta em seu livro Os Andarilhos do Bem: “Na quinta-feira de cada um dos Quatro Tempos do Ano, eles deviam andar junto com esses feiticeiros (os Benandanti — Bruxos Italianos da Região do Friul, que nasciam empelicados. Eram chamados de “Andarilhos do Bem”, ou seja, “aqueles que combatiam o mal”) por diversos campos, onde combatiam nas batalhas noturnas de Fertilidade, brincavam, pulavam e cavalgavam em diversos animais e faziam diversas coisas entre si; e (…) as mulheres batiam com caules de sorgo nos homens que estavam com elas, os quais só carregavam nas mãos ramos de Erva-Doce”. Ele ainda continua: “Se, com efeito, as Bruxas e os Feiticeiros que se encontram na noite de quinta-feira para entregarem-se a “saltos”, “divertimentos”, “festas” e banquetes evocam imediatamente a imagem do Sabá”.

** Nota: esses “Quatro Tempos do Ano” eram Festivais noturnos Agrícolas de Êxtase e de Fertilidade. Eles encenavam verdadeiras Batalhas e seguravam nas mãos, como se fossem armas, ramos de Sorgo e de Erva-Doce. O “Baile das Bruxas” — o Sabá — sempre era acompanhado de muita música, dança, comida e bebida.

Não podemos deixar de comentar sobre o Ergotismo (ou envenenamento por ergot) que foi uma grande uma epidemia na Idade Média. O Ergotismo é uma intoxicação causada pelo Claviceps purpurea. Ele produzia estados de estupor alucinógeno, excitação, ansiedade nervosa, sensações dolorosas de queimaduras nas extremidades do corpo devido à vasoconstrição. Na maioria das vezes, dedos, mãos, pés, braços e pernas necrosavam e muitos tinham que ser amputados.

Um dos comentários mais interessantes é que os Benandanti, quando retornavam dos Sabás, “estragavam o vinho dos tonéis” e Ginzburg comenta: “Quando as Bruxas, os Feiticeiros e os vagabundos voltavam desses jogos, acalorados e fatigados, eles penetravam nas casas; se eles encontram água clara e límpida nos baldes, eles a bebem; senão, eles vão à adega e estragam o vinho, e ele me exortou a ter sempre água limpa em casa”. Eles faziam exatamente como os Lobisomens da Livônia (aqueles que, durante a noite, combatiam em Êxtase e brandiam Açoites de Ferro) — eles também urinavam nos tonéis de vinho. Interessante porque, todos os que estão sob a ação de algum efeito alucinógeno, podemos constatar que a urina fica extremamente mais potencializada — então, por que será que eles urinavam nos tonéis de vinho?

Relata-se também que as Bruxas e os Feiticeiros bebiam vinho misturado ao esterco de uma determinada espécie de sapo (existe uma substância venenosa e psicotrópica na pele do sapo, chamada “Bufotenina” — que pode ser expelida mais seguramente no excremento do sapo).

Muitas Bruxas também utilizavam uma espécie de Cogumelo (a Amanita muscaria) — uma bebida alucinógena (uma espécie de chá) que provocava perda de consciência e que auxiliava estados de transe e viagens astrais. Por coincidência ou não, a Amanita — também conhecida por “cogumelo-sapo”, “casa de sapo”, “chapéu de sapo” — tem seu efeito mais potencializado e intenso se alguém beber a urina de quem a tenha ingerido.
Podemos citar inúmeros outros exemplos, mas, com certeza, um dos mais conhecidos é a Beladona (Atropa belladonna) — e sobre ela, Michelet, em seu livro A Feiticeira, comenta: “No tempo em que a Feitiçaria ganha seu maior impulso, o imenso emprego das Solâneas (as Solanáceas), sobretudo da Beladona, generalizou o medicamento que combate essas afecções. Nas grandes reuniões populares do Sabá, a “Erva das Feiticeiras” (a Beladona), misturada ao Hidromel, à Cerveja, à Sidra também, ao Poiré (as fortes bebidas do Oeste), fazia a multidão dançar uma dança exuberante, mas que nada tinha de epiléptica”.

Podemos citar também as Bacantes e os Cultos Orgiásticos. Existem vários registros que relatam que as Bacantes, em seus Cultos de Êxtase e danças frenéticas, misturavam a Beladona ao vinho.